A ética na Psicanálise

É comum associarmos o tema ‘Ética’ a um conjunto de práticas que rege a ação humana, às normas e regras próprias do social que conduzem para um bem-viver (um bem-estar). Entretanto, qual ética estaria por trás da atuação psicanalítica? Seria a ética do sigilo ou a ética da atenção?

Segundo Cotrim (2002, p. 263), a palavra “ética (do grego ethikos, significa costume, comportamento)” pode ser compreendida como a disciplina filosófica que reflete sobre os sistemas morais elaborados pelos homens e compreende a função das normas e interdições de cada sistema. Nesse sentido, para a Filosofia, o homem possui valores próprios que regulam a vida em sociedade, e, como já disse Aristóteles, o homem se difere dos animais pela sua característica humana, a de possuir o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto.

O papel dos psicanalistas não é o de desejar algo para alguém, mas ser aquele que o conduz para chegar até seu desejo, para que ele deixe de se torturar por seus tropeços e que seja menos temeroso das manifestações do seu inconsciente. Não falar pelo outro é parte crucial da ética analítica, já que é somente em posição de agente de sua própria fala, agente de seu próprio trabalho, que é possível ao analisando apropriar-se de seus deslizes. 

Sobre a Ética na Psicanálise, Lacan (1997, pp.373-374), nos ensina que ela “consiste essencialmente num juízo sobre nossa ação” e mais, “se há uma ética da psicanálise é na medida em que, de alguma maneira, por menos que seja, a análise fornece algo que se coloca como medida de nossa ação – ou simplesmente pretende isso”. Ele diz que para medir a eficácia terapêutica é preciso observar o efeito da análise sobre o gozo obtido pelo sintoma e a construção de um saber pelo próprio sujeito a partir da análise.

Freud (1995, p.108) afirma que “o comportamento dos seres humanos apresenta diferenças que

a Ética, desprezando o fato de que tais diferenças são determinadas, as classifica como ‘boas’ ou ‘más’. Enquanto essas inegáveis diferenças não forem removidas, a obediência às elevadas exigências éticas acarreta prejuízos aos objetivos da civilização, por incentivar o ser mau”. Nesse sentido, Lacan (1996, p.99) confirma as palavras de Freud e nos alerta sobre um dos erros que um analista não pode cometer, “esse erro, o querer excessivamente o bem do paciente, do qual o próprio Freud denunciou constantemente o perigo”.

Portanto, a Ética em Psicanálise está em não fazer promessas enganosas de sucesso absoluto sobre o mal-estar humano. Entretanto, há ética na proposta de aliviar o sofrimento através de um tratamento que visa à mudança de posição subjetiva, pelo trabalho de modificação dos registros de satisfação pulsionais. Ou seja, ao considerarmos o inconsciente como guia das escolhas humanas, acreditamos que seja possível para o homem usar sua potência criadora, podendo ser “ético”, a partir de seu desejo.

Desejo esse que está situado no campo do inconsciente e só pode ser reconhecido através do discurso falado. Para Quinet (2003, p.110), “é o desejo do analista que se encontra na base da Ética da Psicanálise, pois o desejo é correlato à ação do analista em sua clínica”. Assim, é o desejo do analista que possibilita que o mesmo tenha uma postura ética e a disponibilidade para ouvir para além do dito, de tentar escutar o que aquele sujeito que está perante ele busca, com os mecanismos que possui, simbolizar. Assim, a questão da ética pode ser entendida como uma questão inerente ao fazer analítico, e a falta de ética ocorre quando o analista se desvia de seu campo, quando o analista dá respostas antecipadas ao analisante. Freud, em seus escritos sobre a técnica psicanalítica, principalmente, fala sobre o que poderia desviar o analista de sua função. O que pode ocorrer é que, por conta de ruídos na escuta, devido a conteúdos próprios, o analista passe a agir como educador, sob a ótica da moral, com planos e anseios para a vida do analisando, deixando de ouvir o sujeito que ali está.

Dessa forma, Ângulo (1990, p.130) nos lembra que “o que funda uma análise é então o desejo do analista. E a funda cada vez, em cada novo início de análise”, pois o trabalho analítico que seja ético pretende que o analisante assuma uma postura ética na vida. Concluindo, “podemos dizer que a responsabilidade do analista na cura existe, mas ela não é moral, mas ética” (ANGULO 1990, p. 98).

A psicanálise rompe com a moral filosófico-religiosa e propõe uma ética dos atos e desejos inconscientes ou não sabidos. Freud tratou disto especialmente em dois textos: ‘Além do princípio de prazer’ e ‘O mal-estar na civilização. Pode parecer um paradoxo pensar em ética da psicanálise, do ponto de vista de uma teoria dos valores, levando em conta que a grande norma da psicanálise é justamente não impor julgamentos de valores às pessoas. 

Elaborado por Dastan, podcast da Eluvi.

REFERÊNCIAS

Conte, B. S.; Hausen, D. C. (2009). Escuta: Quando a abstinência se constitui. Revista do CEP-PA, vol. 16, 141-153. https://www.yumpu.com/pt/document/read/12712455/escuta-quando-a-abstinencia-se-constitui        [ Links ]

ANGULO, N. S. Que quer o analista? O analista em questão. Curitiba: Associação da Coisa Freudiana-Transmissão em Psicanálise, 1990. (Letras da coisa 10).

COTRIM, G. Fundamentos da filosofia. São Paulo: Saraiva, 2002.

Freud, S. Obras completas, E.S.B., vols. XVIII e XXI, Rio de Janeiro, Imago.

FREUD,   S. El   malestar   en   la   cultura   (1929). Buenos  Aires:  Amorrortu,  1995.  (Obras  Completas de Freud).

GOLDENBERG,    R.    (Org.). Goza!    capitalismo, globalização  e  psicanálise.  Rio  de  Janeiro:  Ágalma, 1997.

KEHL, M. R. Sobre ética e psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

LACAN,   J. O   seminário,   livro   7:   a   ética   em psicanálise.  Texto  estabelecido  por  Jacques  Alain-Miller. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1997.